terça-feira, 26 de junho de 2018

Esse tal de historicamente correto


   Em meios revivalistas e de recriação histórica muito se fala sobre o historicamente correto e acurácia histórica. Mas afinal, o que é esse tal de historicamente correto? Isso é algo realmente importante? A resposta curta é: depende. A resposta longa segue no texto abaixo.

    Quando reproduzimos trajes históricos, em geral a ideia é chegar o mais próximo possível de algo que seria usado na época. É basicamente isso que diferencia um traje histórico de uma fantasia, essa pesquisa e cuidado com os detalhes. Para que um traje seja historicamente correto, ele precisa atender a alguns requisitos.

Aspectos que definem a acuidade histórica

    Quem já viu os meus posts para o Desafio de Costura histórica já reparou que eu costumo dividir a acuidade histórica em 4 campos: aparência, modelagem, técnicas e materiais.

    Aparência: seria o conjunto todo, o resultado final. Olhar para aquela peça e ver que ela realmente parece da época que você está reproduzindo e aparenta ter saído de um museu.

     Modelagem: a altura da cintura, localização das pences, formato da saia... Estudar a modelagem de um período é importante para conseguir atingir a silhueta correta.

     Técnicas: geralmente envolve tipos de costura, pontos, bordados, fechos. Cada época vai ter uma forma de montar de construir uma peça diferente da outra.

    Materiais: eles vão afetar não só o visual final mas também por terem propriedades diferentes acabam impactando o caimento. E apesar de atualmente não termos mais barbatanas feitas com osso de baleia, por exemplo, é conhecendo as características e função dos materiais utilizados que conseguimos pensar em substitutos que façam sentido.

Técnicas vs contexto social 


Dame en Dienstbode, por Veermer (1667)

    A acurácia histórica também precisa ser contextualizada. Exemplificando: ainda que seda roxa seja um tecido historicamente correto na Era Tudor, ele não seria utilizado em um traje em um traje de classe baixa. Na Era Vitoriana, um vestido de uso diurno tem tecidos e cortes diferentes de um vestido de baile.

    Ao pensar em fazer algo que seja o mais aproximado da realidade possível, a pergunta 'a realidade de quem?' precisa ser respondida. E é aí que entram as personas históricas. Pensar em qual integrante da sociedade você vai basear seu estudo e compor seu traje. Classe social, ocupação e ocasião são alguns dos aspectos que influenciam e muito o tipo de roupa que era usado numa mesma época.


Sobre figurinos e liberdade artística

    Figurinos de filmes de época acabam sendo um capítulo a parte porque os trajes que ali estão tem um papel importante que é ajudar a contar a história, a função não é necessariamente dar uma aula de história da moda. Por isso vemos muitas peças estilizadas ou feitas com técnicas modernas, que economizam tempo e dinheiro. 

Moulin Rouge e The Young Victoria, ambos filmes que se passam na era vitoriana mas com propostas de figurino bem diferentes 

    Então muitas vezes um figurino que não é historicamente correto pode ser bem interessante, como é o caso de Moulin Rouge. Ele é um musical que se passa na frança do século XIX, mas temos músicas modernas, e o filme inteiro é 'temperado' com toques contemporâneos em meio ao que seria histórico. Dentro desse contexto, um figurino mais estilizado é válido e coerente.

    Mas quando você representa uma personalidade histórica e quer passar credibilidade ou se propõe a informar, o ideal é que o figurino seja o mais fiel possível à época e os figurinistas costumam seguir essa fórmula em biografias.

Concluindo

    No fim das contas a acurácia histórica se resume a uma escolha, uma que tem a ver com seus objetivos. Ainda que o historicamente correto seja um vestido medieval de lã natural tingido de forma artesanal todo costurado à mão, não é como se houvesse uma Interpol do Historicamente Correto que vai te prender se você utilizar lã de acrílico e fazer as costuras internas à máquina para economizar tempo.

    A minha maior preocupação nos trajes que faço costuma ser a aparência. Eu prezo por algo que pareça ter saído de um museu, o que no fim das contas acaba envolvendo estudar a modelagem para reproduzir uma silhueta, pensar em materiais que sejam equivalentes e por aí. Ou seja, é um trabalho em conjunto. Mas também me importo muito com a praticidade, então se eu puder costurar algo a máquina eu vou fazer isso sem o menor peso na consciência.

    Ainda que a definição de acurácia histórica em trajes não seja um consenso dentro da comunidade recriacionista e muito se discute sobre o fato de ser impossível ter algo 100% historicamente correto, pensar sobre esses aspectos tem a ver com refletir sobre o propósito de um traje e ajudam na hora de definir detalhes e planejar a confecção de forma que ela tenha o melhor resultado possível dentro daquilo que é importante para você.

Referências/ recomendação de leitura: